Crítica do Método Indutivo

na

Pesquisa Petrolífera*

por


Carlos Cramez**

 

 

* A terminologia portuguesa usada para designar os sucessivos estados/fases de avanço do conhecimento geológico-mineiro de qualquer jazigo previamente ao estabelecimento de eventuais planos de Exploração é a seguinte: ReconhecimentoProspecção Pesquisa. Neste trabalho, a designação “Pesquisa” (correspondente à designação "Exploration" dos autores de língua inglesa e francesa) é usada em acepção genérica e integradora das três fases citadas.

** Este texto é o resumo, em português, de dois relatórios que o autor elaborou, em 1996, quando era conselheiro da Direcção-Geral de Exploração e Produção da Total (Paris, França). O resumo e a adaptação e a tradução estiveram a cargo de M. J. Lemos de Sousa.



Conteúdo:
I - Introdução
II- Métodos Indutivo vs Hipotético-Dedutivo
III- Notas
IV- Bibliografia

I- Introdução

 

Qual a justificação para que uma companhia petrolífera e, especialmente, um Departamento de Pesquisa ou, mesmo, uma Universidade em que se ensine e investigue sobre jazigos de hidrocarbonetos, se preocupem com um assunto que mais parece do âmbito da Filosofia da Ciência ou da Educação em Ciência?

Esta é, talvez, a pergunta que muitos leitores farão logo de início. Todavia, tendo em conta que a base da pesquisa petrolífera é, afinal, a Geologia, isto é, uma das Ciências da Natureza, tal pergunta perde, desde logo, pertinência. Com efeito, em Geologia, embora os dados de observação tenham papel primordial, torna-se, contudo, indispensável que os pesquisadores nunca esqueçam que a credibilidade de tais dados e, mesmo, em certa medida, a maneira como são interpretados, depende da teoria adoptada pelo observador.

Tal facto parece-nos fundamental para a compreensão da lógica das grandes descobertas petrolíferas, as quais, como todas as descobertas científicas, resultam do génio ou do acaso e só raramente são fruto de um conjunto de observações a partir das quais o pesquisador constrói uma hipótese (a).

II- Métodos Indutivo vs Hipotético-Dedutivo

No estudo das bacias petrolíferas (i. e., bacias com presença, mais que provável, de uma rocha-mãe madura), para além de ser obsoleto, constitui um erro partir de dados e mais dados de observação para tentar determinar a(s) armadilha(s) que nela possa(m) existir. Com efeito, antes de iniciar o trabalho, o pesquisador deve saber quais são as armadilhas que tem maior possibilidade de vir a pôr em evidência a partir de dados de observação: linhas sísmicas, mapas e cortes geológicos, gravimetria, etc..

Por exemplo, numa bacia de ante-arco vulcânico ("back-arc" dos autores de língua inglesa), em associação com uma subducção de tipo B ou Benioff, sem influência oceânica, não se deve começar por interpretar milhares de quilómetros de linhas sísmicas para que, dois ou três meses mais tarde, o interpretador se dê, afinal, conta que as armadilhas estruturais associadas às inversões tectónicas e aos paleorelevos basais ("buried hills" dos autores de língua inglesa) teoria que deve conhecer antes de começar qualquer interpretação – são aquelas em que tem maior probabilidade de encontrar acumulações económicas.

Por outro lado, numa época em que os pesquisadores petrolíferos trabalham, em muitos casos, a tempo parcial, é cada vez mais necessário conhecer e, sobretudo, escolher o modelo de pesquisa a utilizar (método indutivo ou método hipotético-dedutivo). Todavia, para que tal escolha seja possível, os pesquisadores responsáveis por zonas geográficas devem, absolutamente, ser capazes de explicar aos interpretadores a tempo parcial, de maneira precisa e rápida, a(s) hipóteses(s) petrolífera(s) que estes devem tentar refutar a partir de dados de observação, nomeadamente de linhas sísmicas.

Um exemplo:

Imaginemos dois blocos em pesquisa do offshore sul do sector oeste da ilha de Timor em relação aos quais se necessita tomar uma decisão de oferta com a máxima brevidade (15-30 dias). A avaliação do potencial petrolífero destes blocos deve ser feita utilizando os dados disponíveis correspondentes às antigas linhas sísmicas obtidas nos anos 80. Suponhamos, ainda a título de hipótese, que a avaliação é solicitada a pesquisadores indutivistas.Será fácil verificar que os trabalhos propostos por estes pesquisadores se destinam a esconder o desconhecimento dos problemas a resolver. Mais ainda, a metodologia utilizada não permitirá, em caso algum, tirar conclusões no tempo disponível, já que, em geral, a ideia será tentar redescobrir tudo com base na observação dos dados disponíveis (método indutivo). Isto, independentemente de qualquer hipótese geológica admitida a priori . Uma tal atitude tornará a avaliação não só uma tarefa impossível, mas também sem grande interesse para a pesquisa, uma vez que os parâmetros petrolíferos chave do offshore em questão, e portanto dos blocos em estudo, já são conhecidos de há muito. O uso do método indutivo neste caso é, pois, perfeitamente inútil.

Em contraste com a situação descrita, os conhecimentos teóricos devem, antes, preceder as observações dos interpretadores. A pesquisa deve, em todos os casos, começar pela formulação do(s) problema(s) petrolífero(s) a resolver. Por outras palavras: a avaliação do potencial petrolífero destes blocos só pode ser feita correctamente se o interpretador conhecer, desde o início, o(s) parâmetro(s) petrolífero(s) chave aplicáveis localmente. A este propósito, premiti-mo-nos lembrar a afirmação de H. Tazieff:

“car de même qu’un clou demande plusieurs coups de marteau pour être enfoncé, vérité que les publicitaires ont bien compris, à force d’enfoncer avec patience les clous qui les intéressent, de même chaque vérité géologique doit être dite et redite jusqu’à ce quelle finisse par demeurer dans la conscience de ceux qui en ont une” (“La Terre va-t-elle cesser de tourner?”).

E, também, não será demais insistir, a título de exemplo, nos problemas petrolíferos do offshore do sul da ilha de Timor (a sul da zona de subducção), área esta que é constituída pela sobreposição vertical dos seguintes três tipos de bacias sedimentares:

a) Uma cadeia dobrada paleozóica,
b) Uma margem continental divergente mesozóica, e
c) Uma fossa terciária.

Os problemas são os seguintes:

1) As estruturas e as rochas-mãe paleozóicas, a existirem neste sector da costa afora, estão a grande profundidade. A priori, a existência de armadilhas associadas a regimes tectónicos extensivos apenas são prováveis no Meso-Cenozóico. Tal facto é especialmente verdadeiro em relação às armadilhas não estruturais por justaposição da margem ou da fossa. Por outro lado, existem armadilhas estratigráficas, contudo muito difíceis de pôr em evidência.

2) O parâmetro petrolífero chave desta costa afora é a cobertura, particularmente a cobertura lateral, a qual permite fechar a armadilha lateralmente. Por outras palavras: poderá, eventualmente, haver condições de armadilha se o interpretador for capaz de demonstrar que, em justaposição com potenciais reservatórios, existe numa rocha com “pressão de deslocação” mais forte que a dos reservatórios (b).

3) A cartografia das zonas de maturação das rochas-mãe potenciais e a cartografia das vias de migração dos hidrocarbonetos são importantes, mas não indispensáveis.

4) De momento, a identificação dos horizontes vulcânicos é, apenas, hipotética. A maior parte das sondagens de pesquisa, efectuadas em pontos estruturais altos, apenas raramente atravessaram rochas-mãe.

5) A migração dos hidrocarbonetos é, principalmente, vertical ao longo dos planos de falha. Não há migração lateral a não ser ao longo dos conjuntos reservatório–cobertura, no interior de blocos falhados e basculados.

Em conclusão:

Depois das descobertas feitas nesta costa afora, como nos casos de Elang e Laminaria, a maioria das companhias sabem o seguinte:

(i) As armadilhas são, principalmente, morfológicas por justaposição, e

(ii) Há dois sub-sistemas petrolíferos geradores.

Com efeito, o estudo dos biomarcadores dos petróleos descobertos mostrou duas origens muito diferentes para os hidrocarbonetos. Uma, talvez a mais importante, está associada às argilas com composição orgânica, marinhas, do Mesozóico, provavelmente do Kimmeridgiano. A outra, está associada às rochas-mãe carbonatadas, muito provavelmente de idade noriana-carniana (Trias) (c).

Será igualmente bom recordar, àqueles que já se esqueceram, que a melhor maneira tanto de aprender como de fazer progredir a pesquisa petrolífera é por tentativas e erros (ou por conjecturas e refutações). A rotina, isto é a repetição e a imitação, não se adequam ao avanço dos conhecimentos científicos, particularmente em Geologia. Por fim, um pesquisador, que não “filosofe” sobre a pesquisa nunca passará de um pesquisador secundário, um imitador, …um “funcionário de pesquisa”, uma vez que em pesquisa petrolífera apenas se progride se a mesma for correctamente abordada pelo método hipotético-dedutivo, isto é, pela crítica.

O método indutivo (d) jamais conduziu a uma descoberta significativa, excepção feita para as descobertas com base no acaso. Infelizmente, tal como disse L.Pasteur em 1880 “Dans les champs de l'observation le hasard ne favorise que les esprits préparé(ver Royston, 1989). Tal é, aliás, verdadeiro não só para a pesquisa petrolífera, mas também para a investigação em geral e em qualquer ramo das Ciências. Com efeito, na pesquisa petrolífera, o conhecimento jamais progrediu a partir de hipóteses indutivas. Pelo contrário, é um conjunto de experiências e erros, conjecturas e refutações que nos tem permitido progredir. Por outras palavras, na nossa especialidade o nível de conhecimentos aumenta quando não se dissimulam os erros e, simultaneamente, deles se aprende a retirar ensinamentos. Quer isto dizer que o que chamamos “experiência” se adquire por aprendizagem a partir de erros e não por acumulação ou associação de dados de observação repetidos, sobretudo quando estes são, em grande parte, dados bibliográficos (e).

É, todavia, curioso notar que, apesar de os princípios acima enunciados estarem já hoje bem divulgados – nós próprios nos temos grandemente empenhado e continuaremos a empenhar nesta cruzada –, o método empírico clássico ou baconiano, isto é, o método indutivo, continua a ser predominantemente usado na pesquisa petrolífera. Isto, não obstante a maioria dos filósofos da ciência e dos próprios cientistas já o terem totalmente rejeitado. Bastará como fundamento desta afirmação que nos apoiemos em textos de Popper (1934, 1982) e de Einstein (1991). Com efeito, a ideia de base da maioria dos pesquisadores petrolíferos pode resumir-se ao seguinte: Prestar extrema atenção às observações (de terreno, diagrafias, linhas sísmicas, fósseis, etc.) e desconfiar de teorias ou de hipóteses geológicas, uma vez que elas podem influenciar ou contaminar as observações. Ora, é precisamente esta ideia errada e obsoleta que, desde há muito e sempre que podemos, tentamos banir, divulgando, continuamente, enunciados célebres de Sir Karl Popper (1976), tais como:

"A teoria precede a observação"

"Não podemos começar a partir de observações, temos que saber primeiro o que observar, ou seja, temos de começar com um problema"

"Não existe tal coisa como uma observação não interpretada"

"Todas as observações são impregnadas de teoria"

Felizmente que uns tantos, mais esclarecidos, compreendem perfeitamente a situação. De facto, já nos anos 70, o meu chefe (J. P. Gauriat) no Canadá me dizia com frequência: “alguns dos nossos colegas, por detrás da sua probidade científica e do seu rigor matemático, escondem uma falta total de conhecimentos geológicos e epistemológicos”. Contudo, mesmo sem esforço de maior, ainda hoje se verifica a predominância da aproximação indutiva tanto nas reuniões como nos relatórios dos pesquisadores petrolíferos. Assim, nas reuniões os oradores esquecem que em Ciência e, portanto, em Geologia, a verdade não existe (!), baseando, em geral, as exposições em argumentos com que tentam justificar as hipóteses avançadas no seguimento de observações que afirmam terem sido feitas “independentemente de qualquer ideia ou hipótese a priori”.

Todavia, tais observações, não sendo críticas, são sempre baseadas em argumentos positivos, isto é, argumentos que vão no sentido que desejam. Consequentemente, em resposta a perguntas feitas no decurso da reunião são naturalmente levados, cedo ou tarde, a invocar dados que não podem justificar. Tal obriga-os, frequentemente, a terminar a exposição – e a reunião! – invocando uns últimos pressupostosos, os quais não sendo criticáveis, têm de se considerar de natureza metafísica! Em suma, no fim da reunião, não só não se fez qualquer progresso na pesquisa mas, pelo contrário, muitas vezes, verifica-se ter, antes, havido uma regressão nos conhecimentos como muito bem explicado por K. R. Popper (1994).

Em contraste com o exposto, um pesquisador que adopte, antes, a atitude contrária à descrita, ou seja, que adopte o método crítico, tal como sugerido por Popper, desde 1934, no seu livro “Lógica da descoberta científica” jamais terminará uma reunião por “últimos pressupostos”, uma vez que nada tem de provar nem de justificar. Pelo contrário, apenas tentará refutar a hipótese que admitiu ou invocou para resolver o(s) problema(s), que lhe está(ão) cometido(s). Os argumentos que utilizará serão argumentos críticos ou conjecturais e, por isso, permanentemente abertos à refutação, ou seja, a serem postos em causa sem nunca invocar “últimos pressupostos”. Quer dizer, um pesquisador não indutivista e, consequentemente, não verificacionista, mesmo que seja o único a ter uma tal atitude epistemológica, terá feito progressos importantes no fim de uma reunião, pois, através da crítica, tornou possível o desenvolvimento dos conhecimentos.

A predominância do método indutivo na pesquisa petrolífera nota-se, também, no estilo com que são redigidos numerosos relatórios e memorandos que circulam nas companhias, estilo este que se traduz, essencialmente, na estrutura com que é apresentado o texto, a saber:

1. Apresentação de dados de observação.

Capítulo utilizado para apresentar a localização das amostras, descrever as características das diferentes campanhas sísmicas regionais, localização das várias sondagens da pesquisa a estudar, etc.

2. Descrição dos dados de observação e de medidas efectuadas.

Esta descrição é feita independentemente de qualquer teoria a priori, sendo costume ser a parte principal e a mais fastidiosa do relatório. Corresponde à descrição de mapas geológicos, de linhas sísmicas, de diagrafias e de estampas.

3. Comparação de resultados com estudos anteriores.

Trata-se de um capítulo muito útil e instrutivo que, todavia, é, as mais das vezes, esquecido!

4. Sugestões para obtenção de novos dados de observação.

Capítulo que se encontra nalguns relatórios mas, tecnicamente, opcional.

5. Conclusões.

As conclusões, quando existem, são, na maioria dos casos, constituídas por um breve epílogo, em geral algumas linhas, com vista à formulação de uma hipótese geológico-petrolífera sugerida pela descrição dos dados de observação. Nestas condições, as conclusões são, geralmente, de natureza metafísica já que, na maior parte dos casos, a hipótese avançada não pode ser refutada, pelo que o seu autor terá sempre razão qualquer que seja o resultado do prosseguimento da pesquisa. Citemos alguns exemplos de conclusões respigadas dos muitos relatórios que nos têm passado pelas mãos no decurso da nossa actividade profissional:

“Existem, provavelmente, rochas-mãe neste bloco, sendo todavia duvidoso o seu conteúdo”.

“Trata-se de um bloco de alto risco; todavia seria pena não se interessar por ele”.

“O parâmetro reservatório é 0.5, uma vez que pode ou não haver reservatórios”

“Os prismas sedimentares de baixo nível marinho (lowstand prograding wedges dos autores de língua inglesa) podem ter reservatórios ou, unicamente, argilas”.

“Nos dois blocos disponíveis, pode haver outro sistema petrolífero especulativo mais profundo, contudo os resultados das sondagens mais próximas não militam em seu favor”.

Evidentemente que nenhuma destas hipóteses/conclusões é científica. De facto, são válidas em quaisquer circunstâncias e, por isso, não são refutáveis, pelo que não trazem qualquer progresso à pesquisa. O problema com certos pesquisadores, especialmente aqueles que recusam ou têm dificuldade em aceitar críticas, é que, desde o momento que avançam com uma teoria ou hipótese, têm tendência para utilizar todos os dados de observação como suporte da sua hipótese e, nenhum, para a refutar, ou seja, admitem que todos os dados de observação confirmam a sua hipótese... com excepção dos considerados como contra-exemplos. Este é, de resto, o motivo pelo qual os teóricos da indução, a começar por Bacon, aconselham a fazer observações sem tomar em conta as teorias ou o que designam por hipóteses preconcebidas. Mas será isto possível?

Assim, por exemplo, se a hipótese “todas as rochas argilosas que são rochas-mãe, são negras” for avançada por um investigador indutivista/ verificacionista a hipótese continua a ser para ele válida mesmo quando observe areias vermelhas ou calcários brancos, uma vez que todos os dados de observação que não sejam um contra-exemplo confirmam que “todas as rochas argilosas que são rochas-mãe são negras”. No limite, pode-se, mesmo, facilmente mostrar (lógica extensional) que, na realidade, tudo constitui exemplo da hipótese avançada. Para tal, basta enunciar a hipótese “todas as rochas argilosas que são rochas-mãe são negras” da seguinte maneira:

1. Tudo o que é uma rocha argilosa que é rocha-mãe, é negra.

2. Se alguma coisa é uma rocha argilosa que é rocha-mãe, então ela é negra.

3. Tudo é negro, excepto se não for uma rocha argilosa que é rocha-mãe.

Assim sendo, tudo o que não é uma argila que é rocha-mãe e tudo o que não é negro confirma a hipótese. A hipótese apenas não se confirma no caso de qualquer coisa que, simultaneamente, seja rocha-mãe e não seja negro, isto é, no caso de um contra-exemplo.  O que se deixa dito mostra o motivo pelo qual o método indutivo e, particularmente, o verificacionismo foi rejeitado pela maioria dos cientistas.

Porém, a simples crítica do método e do estilo indutivo em relatórios de pesquisa petrolífera não terá grande interesse caso não se proponha algo diferente em substituição. Ora, a alternativa, tal como temos vindo a expor, é, precisamente, a aplicação do método hipotético-dedutivo, proposto por K. Popper em 1934, mas cuja origem em termos críticos remonta aos filósofos gregos. A adopção deste método implica, contudo, um texto redigido em conformidade, aspecto este em que nunca é demais insistir. A este respeito, no trabalho “Lógica da Descoberta Científica”, K. Popper propõe uma estrutura de apresentação que, adaptada à pesquisa petrolífera, se pode apresentar da maneira seguinte:

a) Apresentação do(s) problema(s) petrolífero(s)
b) Hipótese(s) anteriormente admitida(s)
c) Hipótese(s) proposta(s)
d) Descrição dos dados de observação
e) Resultados dos ensaios de refutação
f) Avaliação do problema petrolífero
g) Sugestões para trabalhos futuros.

Pormenorizando:

a) Apresentação do(s) problema(s) petrolífero(s)

O(s) problema(s) petrolífero(s) deve(m) ser claramente exposto(s) desde o início, de modo a que o leitor saiba o que o pesquisador vai tentar resolver. Apesar desta afirmação parecer evidente e de a tarefa parecer de fácil execução, a realidade é, porém, bem mais complexa. Com efeito, como acima se disse, os problemas petrolíferos são função do estado dos conhecimentos dos exploradores. Ora, na maioria dos casos, este estado é insuficiente para que os exploradores possam, desde o início, saber quais são os problemas que têm de resolver.

O problema agrava-se quando um pesquisador muda de local de trabalho, mesmo dentro da mesma companhia. Com efeito, não só, as mais das vezes, o lapso de tempo durante o qual coincidem localmente o pesquisador que chega e o pesquisador que parte é insuficiente para que este último transmita o testemunho, mas também, frequentes vezes, os Directores de Pesquisa não têm tempo e/ou conhecimentos suficientes para pôr o novo pesquisador ao corrente dos problemas petrolíferos locais. Assim, muitas vezes, os novos pesquisadores são, logo à partida, imediatamente submersos por uma massa impressionante de dados de observação (sísmica, diagrafias, análises geoquímicas, etc., etc.) ou, então, mandados interpretar dados sísmicos fora do contexto estratigráfico, tectónico, paleogeográfico, etc.

Nos casos mais favoráveis, quem acaba de chegar tenta, na medida do possível, pôr-se ao corrente dos problemas petrolíferos locais através de uma aprendizagem de imitação, lendo toda a bibliografia disponível (publicações, relatórios, etc.), isto é, faz progressos importantes mas não faz pesquisa. Aliás, nestes casos, parece existir um mal entendido, pois confunde-se, frequentemente, o estado dos conhecimentos do pesquisador com o estado de avanço da exploração. Os geólogos que trabalham na pesquisa petrolífera são, muito provavelmente, dentre as pessoas que executam actividade científica aquelas que trabalham mais. Em todas as companhias, os horários de trabalho são, sempre, largamente excedidos, já para não falar de Sábados, Domingos e dias feriados em que não se podem interromper trabalhos em curso. Esta situação, para além de causar problemas pessoais e familiares não negligenciáveis, implica a seguinte questão de fundo: Qual é a finalidade de todo esse esforço?

Talvez me engane completamente; contudo, estou convencido que a maioria dos esforços dos pesquisadores, embora contribuam para um indiscutível enriquecimento pessoal a nível dos conhecimentos geológicos e petrolíferos, pouco ou nada contribui para o progresso da pesquisa. Um exemplo:

Durante cerca de 25 anos que várias gerações de pesquisadores se têm encarregado, sucessivamente, de pesquisar o onshore da ilha de Sumatra. Ora, em 1996, ao fazer o ponto da situação sobre o estado de conhecimentos dos problemas petrolíferos desta ilha verificou-se que era exactamente o mesmo que em 1975, altura em que se compreenderam as consequências das inversões tectónicas e a importância da idade das armadilhas relativamente à idade da migração. Cabe, então, perguntar o motivo pelo qual, entre 1975 e 1996, nada se progrediu, na prática, em matéria de conhecimentos sobre pesquisa petrolífera na ilha de Sumatra?

Mesmo sem refazer a história, pode-se responder que os pesquisadores que, sucessivamente, se ocuparam do assunto nunca deram continuidade às hipóteses, aos ensaios e às refutações admitidas pelos predecessores. De facto, sucessivas gerações de pesquisadores iniciaram o trabalho no total desconhecimento dos progressos obtidos pelos predecessores – assunto sobre o qual os Directores de Pesquisa não os puseram, aliás, ao corrente – e, por isso, foram sempre obrigados a recomeçar a totalidade do trabalho aplicando o método indutivo. Além disso, quando, ao fim de dois ou três anos, uma geração de pesquisadores, tinha atingido o nível de conhecimentos da geração que a precedeu, ou seja, quando estava em condições de poder fazer progredir a pesquisa, era chegada a ocasião de ser transferida para outra bacia.

Em conclusão: na região em causa passou-se o tempo a formar pesquisadores mas, uma vez preparados, foram, as mais das vezes, impedidos de obter resultados. Assim, nunca houve a oportunidade de refutar as hipóteses anteriormente avançadas. Deste modo, a pesquisa nunca progrediu já que tal progresso apenas pode ser obtido com base em tentativas e erros e não pela acumulação insensata de dados de observação.

b) Hipótese(s) anteriormente admitida(s)

Para progredir é importante conhecer o grau de refutação das hipóteses admitidas no passado, já que qualquer ou quaisquer nova(s) hipótese(s) admitida(s) deve(m) poder resistir às tentativas que refutaram a(s) hipótese(s) anterior(es).

c) Hipótese(s) proposta(s)

Tendo em conta o(s) problema(s) petrolífero(s), o pesquisador deve avançar uma ou várias hipóteses para tentar resolvê-lo(s). Todavia, as hipóteses devem ser refutáveis, isto é, os dados de observação devem poder, eventualmente, mostrar que as hipóteses são falsas. É, além disso, necessário não esquecer que não há hipóteses verdadeiras, mas tão-só hipóteses que podem, quiçá, resistir melhor aos dados de observação disponíveis. Contudo, torna-se, outrossim, necessário ter presente que, cedo ou tarde, mesmo estas hipóteses serão refutadas por novos dados de observação, pelo que haverá necessidade de avançar com outras hipóteses mais aperfeiçoadas que, assim, correspondem a um real avanço nos conhecimentos.

d) Descrição dos dados de observação

Tal como dissemos, os dados de observação têm um papel absolutamente secundário. Apenas servem para refutar as hipóteses anteriormente avançadas pelo pesquisador. A interpretação dos dados de observação deve visar a refutação da hipótese emitida e não a sua corroboração. Se os dados de observação disponíveis não refutam a(s) hipótese(s) avançada(s), então esta(s) deve(m) ser temporariamente admitida(s) como a(s) que, de momento, melhor explica(m) o(s) problema(s) petrolífero(s) equacionado(s).

e) Resultados das tentativas de refutação

Na análise dos dados de observação destinados a tentar refutar a(s) hipótese(s) admitida(s), torna-se necessário não esquecer que esta(s) deve(m) ser corroborada(s) pelas observações que serviram para refutar a(s) hipótese(s) anteriormente admitida(s), ou seja, a(s) nova(s) hipótese(s) deve(m) ser mais rica(s) e com um grau de refutação superior à(s) da(s) primeira(s).

f) Avaliação do(s) problema(s) petrolífero(s)

A avaliação do(s) problema(s) petrolífero(s) equacionado(s) é fácil. Faz-se comparando o(s) problema(s) anterior(es) com o(s) novo(s) problema(s), pelo que o progresso na pesquisa de uma bacia ou bloco determina-se comparando o estado dos conhecimentos da pesquisa. Assim, se após um longo trabalho de síntese que, muitas vezes, não passa de uma pesada acumulação de dados de observação, o(s) problema(s) petrolífero(s) é(são) o(s) mesmo(s) que antes, então, há que concluir que nada se progrediu em matéria de conhecimentos pelo que o trabalho efectuado correspondeu a uma pura perda de tempo.

g) Sugestões para trabalhos futuros

Se os dados de observação não refutam a(s) hipótese(s) avançada(s) pelo pesquisador, este deve imperativamente sugerir novos trabalhos susceptíveis de a(s) refutar. É neste sentido que as sondagens têm um importante significado científico. Todavia, antes de sugerir uma proposta de solução final, o pesquisador pode, frequentemente, sugerir propostas de solução intermédias, sobretudo quando, por diversas razões, não tenha tido acesso a todos os dados de observação.

III- Notas

(a) Bacon dizia que a Ciência progredia por indução a partir de observações, tal como o vinho resulta do esmagamento das uvas, ou seja, do particular para o geral.

(b) Chama-se “pressão de deslocação” à pressão mínima requerida para, num sistema água-hidrocarbonetos, fazer passar um filamento de petróleo ou de gás através dos poros e canalículos de maior dimensão de uma rocha.

(c) Comunicação oral de G. Demaison que, com M. Moldowan (Biomarkers Technology, Sebastopol, Califórnia, USA) estudaram todos os petróleos descobertos nesta costa afora.

(d) O termo “indução” tem dois significados : Um, o mais antigo, é o significado segundo o qual a indução é a via histórica que parte do particular para o geral. O outro significado, especialmente desenvolvido por Carnap, refere-se à indução que serve de apoio às pretensões de uma teoria que se reivindica verdadeira através de observações. Trata-se, assim, da verificação da teoria, ou, como disse Carnap, do apoio probabilístico a um a teoria a partir de observações que conferem à teoria algo similar a uma probabilidade.

(e) “Experience is the name everyone gives to their mistakes” (Oscar Wilde, Lay Windermere’s Fan, 1961).

IV- Bibliografia

Einstein, A., 1991- “Out of my later years”. A Citadel Press Book. Carol Publishing Group

Popper, K. R., 1981- "La quête inachevée". Calman-Lévy, France.

Popper, K. R, 1984 (1934)- "La logique de la découverte scientifique". Payot, Paris. (Copyright, Karl Raimund, 1959, 1968).

Popper, K.R., 1976- “The Myth of the Framework” in “The Abdication of Phylosophy: Phylosophy and the Public Good”. Essays in Honour of Paul Schilpp. Freeman.

Popper, K.R., 1994- “Infinite Regression” in “Realism and the aim of Science”. Routledge. New York.

Royston, M. R., 1989- Serendipity (Acidental Discoveries in Science).Wiley Science Editions, John Wiley & Sons, Inc.

Tazieff, H., 1992 - La Terre va-t-elle cesser de tourner? Seghers, Collection : Les Raisons de la colère

Wilde, O., - Lady Windermere's Fan. Dover Publications (April 8, 1998)

 


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